Lisboa e Porto ou Porto e Lisboa
A estupidez de acicatar ódios
Hesitei em fazer este Dossier Lisboa/Porto (e vice-versa). Com as guerrilhas do futebol, as polémicas da regionalização e todas as desconfianças Norte/Sul em fase de ebulição, poderia parecer que queria deitar mais achas para a fogueira, levar a comparar o número de bancos de jardim, cabinas telefónicas ou túneis, numa guerra surda que não serve a ninguém.
Descobri o Porto há dois anos, exactamente quando assumi a direcção da Notícias Magazine. E há dois anos que vivo fascinada pela 'cidade, pelas ruas estreitas que acabam no rio, com aquela luz tão especial; pelas casas, em pleno centro, com jardins cheios de japoneiras (cameleiras, como eu lhes chamava até aí). Fascinada pelas pessoas, tão prestáveis sem serem subservientes, e dez vezes mais sensíveis do que os lisboetas aos protocolos nas relações; pelos taxistas que pedem desculpa por não ter troco, pelas infinitas lojas — das de "miudezas" às mais modernas, numa multiplicação estonteante de centros comerciais — e pela comida! Sim, eu a conhecida fã de hamburgueres e pizzas, deixo familiares e amigos de boca aberta quando descrevo (dizem eles que com os olhos brilhantes!) os filetes do Aleixo (e a vitela assada, mesmo em tempo de vacas loucas, e o queijo derretido e os sonhos, e...), ou o polvo de Leça ("Polvo? Você?"; "Sim, e enguias!"; Ah...).
Respondo divertida às provocações sobre os Mouros, espanto-me quando me perguntam, por exemplo, porque é que as pessoas em Lisboa almoçam em pé e tenho de confessar que percebo mal o tempo que alguns parecem perder em comparações e ódios, tentando rotular quem lhe está à frente por local de nascimento, julgando perceber-lhe nos pensamentos xenofobias inconfessáveis.
Compreendo que centralismos exagerados (era preciso vir a Lisboa para tudo), provavelmente uma injusta distribuição de verbas e dinheiros, tenham ajudado a acicatar ódios, mas tenho visto muita gente a explorar essa animosidade, provavelmente porque sabem que os fanatismos paralisara neurónios. Já vi muitos oradores que não conseguiam "agarrar" as pessoas para quem falavam, a recorrerem ao discurso anti-Lisboa, como quem toca num botão, que suspeito ter sido geneticamente activado nos tempos em que D. Afonso Henriques apelava às massas para que carregassem sobre os mouros.
Quando sobrevoo Portugal acho sempre que temos imensa sorte. Num País tão pequeno conseguimos meter montanhas, planícies e vales. Se fossemos os mesmos metros quadrados lá para os lados da Alemanha ou da Holanda, não éramos mais do que uma auto-estrada de tamanho médio, com campos de um lado e do outro.
Temos poucos heróis, poucos recursos e, na minha modesta opinião, parece-me estúpido andar a dividi-los em lugar de reforçarmos a nossa identidade, num momento em que ela está de certo modo ameaçada. Não é um sermão de domingo anti-descentralização de poderes ou de dinheiros. É de orgulho.
Se não conhece nenhuma das duas cidades, vá conhecer. Se é de Lisboa vá ao Porto, se é do Porto vá a Lisboa. Se já conhece as duas, gabe-se da sua sorte!
Isabel Stilwell, Notícias Magazine, 15/12/1996
Faço questão de manifestar-lhes a minha total solidariedade quanto ao conteúdo do Editorial sobre A estupidez de acicatar ódios, na Notícias Magazine de 15 de Dezembro. Vivo há muitos anos em Lisboa, e vivi e trabalhei muitos anos no Porto, e repugna-me a baixeza e a miopia de quantos exploram sentimentos positivos de bairrismo e identidade regional para fabricar rancores sem nenhuma razão de ser e enfraquecer a coesão nacional de um País pequeno com uma grande História e projecção mundial como poucos, apesar de um presente complexo mas que não nos envergonha. Parabéns, pois, por esta iniciativa de pôr em paralelo e frente-a-frente as nossas duas cidades de dimensão metropolitana. Aprendi a conhecer e a amar ambas, e não aceito que nos queiram agora dividir com querelas pré-fabricadas e estúpidas.
Resposta do leitor Eugénio Mota, Lisboa
A estupidez de acicatar ódios
Hesitei em fazer este Dossier Lisboa/Porto (e vice-versa). Com as guerrilhas do futebol, as polémicas da regionalização e todas as desconfianças Norte/Sul em fase de ebulição, poderia parecer que queria deitar mais achas para a fogueira, levar a comparar o número de bancos de jardim, cabinas telefónicas ou túneis, numa guerra surda que não serve a ninguém.
Descobri o Porto há dois anos, exactamente quando assumi a direcção da Notícias Magazine. E há dois anos que vivo fascinada pela 'cidade, pelas ruas estreitas que acabam no rio, com aquela luz tão especial; pelas casas, em pleno centro, com jardins cheios de japoneiras (cameleiras, como eu lhes chamava até aí). Fascinada pelas pessoas, tão prestáveis sem serem subservientes, e dez vezes mais sensíveis do que os lisboetas aos protocolos nas relações; pelos taxistas que pedem desculpa por não ter troco, pelas infinitas lojas — das de "miudezas" às mais modernas, numa multiplicação estonteante de centros comerciais — e pela comida! Sim, eu a conhecida fã de hamburgueres e pizzas, deixo familiares e amigos de boca aberta quando descrevo (dizem eles que com os olhos brilhantes!) os filetes do Aleixo (e a vitela assada, mesmo em tempo de vacas loucas, e o queijo derretido e os sonhos, e...), ou o polvo de Leça ("Polvo? Você?"; "Sim, e enguias!"; Ah...).
Respondo divertida às provocações sobre os Mouros, espanto-me quando me perguntam, por exemplo, porque é que as pessoas em Lisboa almoçam em pé e tenho de confessar que percebo mal o tempo que alguns parecem perder em comparações e ódios, tentando rotular quem lhe está à frente por local de nascimento, julgando perceber-lhe nos pensamentos xenofobias inconfessáveis.
Compreendo que centralismos exagerados (era preciso vir a Lisboa para tudo), provavelmente uma injusta distribuição de verbas e dinheiros, tenham ajudado a acicatar ódios, mas tenho visto muita gente a explorar essa animosidade, provavelmente porque sabem que os fanatismos paralisara neurónios. Já vi muitos oradores que não conseguiam "agarrar" as pessoas para quem falavam, a recorrerem ao discurso anti-Lisboa, como quem toca num botão, que suspeito ter sido geneticamente activado nos tempos em que D. Afonso Henriques apelava às massas para que carregassem sobre os mouros.
Quando sobrevoo Portugal acho sempre que temos imensa sorte. Num País tão pequeno conseguimos meter montanhas, planícies e vales. Se fossemos os mesmos metros quadrados lá para os lados da Alemanha ou da Holanda, não éramos mais do que uma auto-estrada de tamanho médio, com campos de um lado e do outro.
Temos poucos heróis, poucos recursos e, na minha modesta opinião, parece-me estúpido andar a dividi-los em lugar de reforçarmos a nossa identidade, num momento em que ela está de certo modo ameaçada. Não é um sermão de domingo anti-descentralização de poderes ou de dinheiros. É de orgulho.
Se não conhece nenhuma das duas cidades, vá conhecer. Se é de Lisboa vá ao Porto, se é do Porto vá a Lisboa. Se já conhece as duas, gabe-se da sua sorte!
Isabel Stilwell, Notícias Magazine, 15/12/1996
Faço questão de manifestar-lhes a minha total solidariedade quanto ao conteúdo do Editorial sobre A estupidez de acicatar ódios, na Notícias Magazine de 15 de Dezembro. Vivo há muitos anos em Lisboa, e vivi e trabalhei muitos anos no Porto, e repugna-me a baixeza e a miopia de quantos exploram sentimentos positivos de bairrismo e identidade regional para fabricar rancores sem nenhuma razão de ser e enfraquecer a coesão nacional de um País pequeno com uma grande História e projecção mundial como poucos, apesar de um presente complexo mas que não nos envergonha. Parabéns, pois, por esta iniciativa de pôr em paralelo e frente-a-frente as nossas duas cidades de dimensão metropolitana. Aprendi a conhecer e a amar ambas, e não aceito que nos queiram agora dividir com querelas pré-fabricadas e estúpidas.
Resposta do leitor Eugénio Mota, Lisboa
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