quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Coisas estranhas na língua

A língua portuguesa tem as suas esquisitices. A palavra veementemente, por exemplo, é uma das mais estranhas e chatas de pronunciar. É daquelas que não saem do rame-rame, que ficam a tropeçar nas sílabas. Um ingênuo pode até imaginar que é usada para indicar quem mentiu duas vezes ú só isso explicaria o "mentemente". Nada disso. Serve apenas para os advogados usarem nos tribunais:

- Protesto veementemente, meritíssimo.

Aliás, meritíssimo é outra palavra intrigante, pois pronunciada rapidamente tem o som muito parecido com meretrício. Temos aqui uma irônica coincidência. Afinal, o juiz Lalau e outros da mesma laia não transformaram o Poder Judiciário numa autêntica zona?

Faz tempo que não ouço falar em meretrizes ou zonas do meretrício. É que a maioria das pessoas prefere usar prostituta, um termo bem mais popular. Outra palavra errada, claro. O certo deveria ser prostiputa. Era mais lógico. Os anarcas-pichadores teriam uma nova frase para as paredes:

- Prostiputas ao poder já, porque os filhos estão lá.

Não sei se daria uma dignidade à coisa, mas pelo menos seria mais sonoro. Engraçado que no português de Portugal puta também é puta, como no Brasil, mas no masculino é diferente: puto é moleque.

- Olha, lá vai o puto a correr.

É chato tratar uma criança assim. Aliás, as crianças são muito intuitivas no tratamento da língua e muitas vezes têm razão. A minha filha, por exemplo, quando era criança insistia em dizer:

- Cê tá mentirando.

Faz sentido. Contar uma mentira devia ser "mentirar". Os lingüistas é que complicaram tudo, porque o verbo "mentir" é antinatural. A propósito, o prefixo anti é uma autêntica dor-de-cabeça. Ou haverá palavra mais estranha do que antiinflação, com os dois "i" juntos? Aliás, só no Brasil, porque em Portugal é separado. É o tal desacordo ortográfico.

Até parece que falamos a mesma língua, mas é difícil quando se transita de um país para o outro. O pior, no meu caso, é entender as tais próclises, mesóclises ou ênclises. Ainda não atinei com a coisa. Mas um amigo brasileiro que trabalha na publicidade lusitana tem a solução:

- Como é que se diz? "O carro se atolou" ou "o carro atolou-se"?

- Não sei. Para mim é tudo igual.

- É assim: se for com as duas rodas da frente é "se atolou", mas se for com as duas de trás é "atolou-se".

- E se for com as quatro rodas?

- Hummm... nesse caso é "se atolou-se".

É como diz o velho deitado: "Pesporrente, o jovem grulhento usou a antracomancia para esquadrinhar a elanguescência genesíaca das globulariáceas".

José António Baço - Professor e publicitário (em Truca)

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