terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

A invenção do amor

A TSF comemorou ontem o Dia dos Namorados com a dramatização do poema de Daniel Filipe «A invenção do amor» e marcou, com a iniciativa, uma página de beleza na história da rádio em Portugal. Ao estilo do célebre programa «A Guerra dos Mundos», com que, em 1938, Orson Welles sobressaltou os radiófilos norte-americanos, convencendo-os da iminência de uma invasão de marcianos, a emissão foi sendo interrompida, entre as 17h30 e as 19h00, por «flashes» noticiosos, testemunhos de populares, a conferência de imprensa de um ministro e apelos à delacção lançados pela «polícia de costumes», empenhada em capturar «antes que o exemplo frutifique», um homem e uma mulher que «inventaram o amor com carácter de urgência/ deixando cair dos ombros o fardo incómodo da monotonia quotidiana». Os trechos musicais escolhidos, os recursos técnicos usados para registar as diferentes falas e a magistral interpretação dos homens da TSF emprestaram ao longo poema a autenticidade de notícia de um fim de tarde em que a actualidade era dominada, nem de propósito, por novos desenvolvimentos no «amor impossível do jovem Farid pela inacessível Lisette e no amor interdito de uma família [angolano-zairense] separada pelas fronteiras da burocracia [governamental portuguesa]». Uma senhora telefonou para a estação das Amoreiras, perguntando em que cidade se estava a passar a história; um jovem quis saber mais sobre esse homem e essa mulher que, num bar de hotel, se encontraram numa tarde de chuva e construíram com urgência o universo do amor, pondo «em jogo a cidade, o país, a civilização do Ocidente». Num indigente universo radiofónico em que brilham, isoladas, raras estrelas de primeira grandeza (Lugar ao Sul, de Rafael Correia, RDP-1, Ouvir para Crer, de António Cartaxo, na Rádio Cultura, e quatro ou cinco mais), soube bem ver assim reinventado o prazer de fazer e ouvir rádio. Ou, como escreveu Daniel Filipe (publicitário e jornalista, nascido em Cabo Verde em 1925 e morto em 1966) no final do seu magnífico poema: «Au bout du chagrin une fenêtre ouverte/ une fenêtre eclairée».

Adelino Gomes / Público, 15/02/1994

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