quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Jornadas de toponímia em Lisboa


Nomes de gente ilustre estão a tomar conta da cidade

Sentir-se-ão os moradores do Beco da Bicha embaraçados de cada vez que têm de dar a morada a alguém? E as habitantes da Azinhaga da Bruxa? Os mistérios dos nomes das ruas de Lisboa estão a partir de hoje em debate no Espaço Monsanto, na quinta edição das Jornadas de Toponímia.

Até quinta-feira serão abordados temas tão distintos como a influência do lixo ou da gastronomia nas nomenclaturas da cidade. "A acumulação de lixo em tempos antigos deu origem a nomes como Rua do Monturo ou Beco das Esterqueiras. Hoje mantém-se um, a Rampa do Vazadouro", conta o autor de uma das comunicações, Francisco Santana.

A sensibilidade dos habitantes faz com que os nomes dos ilustres acabem por ser, muitas vezes, a opção menos arriscada. A directora do departamento camarário encarregue destas questões, Paula Levy, conta que os serviços municipais tiveram de desistir de chamar a um arruamento nas imediações da Avenida do Brasil Rua das Malvas porque a designação botânica fazia lembrar aos moradores a expressão "mandar às malvas", que significa mandar às urtigas ou para o cemitério. Foram também os habitantes a impedir que as artérias do Bairro da Serafina tivessem nomes como Rua do Deita-Gatos.

Por estas e outras é que a grande maioria das denominações escolhidas pela câmara nos últimos anos visa homenagear alguém. Pablo Neruda e Jorge Luís Borges, por exemplo, deverão em breve juntar-se aos milhares de ilustres que integram a toponímia lisboeta. As nomenclaturas parecem estar a ser alvo de uma higienização: o Pátio das Malucas perdeu-se quando as casinhas que o formavam foram abaixo, o Vale Escuro passou a chamar-se Vale de Santo António, nome de uma zona situada mais adiante.

Nas últimas jornadas de toponímia, realizadas há já três anos, o técnico camarário Veríssimo Pires recomendou à comissão municipal de toponímia que as referências "a memórias, lugares, tradições, afectos ou desamores" fossem também tidas em conta nas denominações. "Quem resiste ao cheiro e aconchego de um Largo das Roseiras ou do Largo dos Castanheiros da India?", interrogava.

Qualquer particular ou instituição pode propor à câmara um nome de rua. O assunto é depois analisado pela comissão municipal de toponímia, onde estão representadas várias instituições. O passo final é a submissão da designação à apreciação dos vereadores, em sede de reunião de câmara. Quando se trata de figuras ilustres a homenagem é sempre póstuma. "Desde 1943 que não é hábito dar, em vida, o nome de alguém a uma rua de Lisboa. A excepção foi João Paulo II", conta Paula Levy.

Casos há também em que a população não aderiu às novas designações impostas pelas autoridades municipais. É por isso que a Câmara de Lisboa está, há vários anos, a preparar uma operação que consiste em anexar a algumas placas toponímicas segundas placas com os antigos nomes. É o caso da Praça Francisco Sá Carneiro - que nunca deixou de ser conhecida como Praça do Areeiro - e do Largo Adelino Amaro da Costa, ao qual os lisboetas continuam a chamar Largo do Caldas.

Ana Henriques / PÚBLICO, 26/10/2004

Sem comentários:

Enviar um comentário