domingo, 25 de setembro de 2011

Nomes de Família


Em Portugal, se o nomes são levados a sério, então o que se pode dizer dos apelidos? Não deve haver país (com excepção para o Reino Unido) onde o apelido seja tão sobrevalorizado. Sobretudo entre os membros da dita alta sociedade, e os aspiracionais que à volta dela gravitam, qual borboletas encandeadas por uma lanterna mágica. E isto é de tal forma importante que há quem não use o apelido do pai ou vá buscar a uma bisavó torta um nome de família esquecido mas que soe melhor na tentativa de ser mais bem visto pelo próximo. É este nome de família que faz com que se seja de boas famílias, mesmo que a família até já tenha nas história alguns episódios menos recomendáveis e ainda menos contáveis.

A maior parte dos nomes de família em Portugal são duplos ou compostos. para se ter um nome único, é preciso que este seja inequivocamente aristocrático como Bragança, Lorena, Pombal, Lavradio, Palmeia, van Uden, Távora ou Almada - e aqui começa a confusão porque muitas vezes estes são títulos que as pessoas adoptam como apelidos - ou então apelidos estrangeiros cuja origem nem sempre é conhecida mas que soam bem como Ricciardi, Martorell, Bullosa, Champalimaud, van Zeller, Bobone, Bleck, Holstein, d'Orey, Omm e Mayer, ou ainda os inventados, tipo Patti Labelle como Chatîllon...

Nomes portugueses de gema são os antigos e tradicionais, relacionados com a história como Cabral, Albuquerque, Gama, Norton de Mattos e outros. É muito mais agradável uma pessoa ter como apelido Eça de Queiroz, Almeida Garrett, ou Sottomayor do que por exemplo Alves dos Reis...

E depois, há o infindável reino dos compostos que se presta às mais imaginativas e variadas combinações, como por exemplo os Coutinhos: Azevedo Coutinho, Pereira Coutinho, Penha Coutinho, Sá Coutinho, Sousa Coutinho e Dias Coutinho não têm nada a ver com qualquer Coutinho impar e solitário. E o mesmo se dá com os Vasconcelos que existem em muitas e variadas combinações: Vasconcelos e Sá, Vasconcelos e Sousa, Paes de Vasconcelos, Vasconcelos Porto (esqueci-me do duplo L desculpem llá).

Dos Pintos, então nem se fala; Ferreira Pinto, Felner Pinto, Ramos Pinto, Pinto Basto, Pinto Leite, Leite Pinto, sem esquecer o Pinto da Costa. Ser só Pinto ou só Coelho não tem história, mas ser Pinto-Coelho já é outra conversa. e apesar de haver alguns Leões há poucos tigres, embora haja Vacas (como os Vacas de Carvalho) não há Bois e os Ratos superam os Gatos. E a ordem é muito importante, senão fundamental: os Franco de Sousa não têm nada a ver com Sousa Franco e os Espírito-Santo não podiam estar mas longe dos Santos tout court.

O apelido em Portugal tem mesmo muito que se lhe diga. Em certos meios funciona como um cartão de visita, uma referência indispensável, porque toda a gente pensa que conhece toda a gente que interessa. E se não conhece, então é porque não interessa. Por isso é sempre bom ter um primo, uma tia, um bisavó ou mesmo uma madrasta que seja conhecida. É o passaporte, o visto de entrada. Pode-se ter rios de dinheiro, barcos de trinta metros e dar festas monumentais, mas há que impor um nome que distinga das marés imensas de Silvas, Santos, Nunes, Henriques, Monteiros, Costas, Carvalhos e outros mais ou menos comuns. Se se tiver alguns milhões, também ajuda.

E a propósito, alguém me explica: porque é que há tantos Pinheiros se somos a terra dos Eucaliptos? E se há tantos chatos e melgas porque é só que há Abelhos? E em terra de Galos porque é que ninguém se chama galinha?

Definitivamente em Portugal há muitos nomes, mas raramente servem para chamar os verdadeiros nomes às coisas. Ou às pessoas.

Texto de Margarida Rebelo Pinto publicado no suplemento DNA do Diário de Notícias, 1998
imagem de Fátima Rolo Duarte

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