Sabe o que é um ICC? o equivalente, em portuense, de VIP (Very Important Person): Importante Cum'ó Carago!" Esta é uma das anedotas que se contam a propósito da forma como falam os habitantes do Porto que, ao contrário de gentes de outros lugares, mantêm a boa disposição e o sentido de humor, apreciando e contando anedotas que lhes dizem respeito.
Algo muito particular
Que se desenganem os portugueses do Centro e do Sul se julgam que é possível juntar-se o modo de falar nortenho num só saco. Falar de sotaque do Norte não é falar de sotaque do Porto. E não só de sotaque se pode falar. No Porto o sotaque sem os termos não faz sentido. Aqui usam-se palavras próprias e curiosas como morcão, cimbalino ou andrade num linguajar despachado que só entende quem sabe. O sotaque do Porto não é só um sotaque, é um tom de voz muito típico acompanhado de termos também muito típicos e, muitas vezes, capazes de ferir os ouvidos mais susceptíveis. Muito marcado e muito característico, o modo de falar do Porto diferencia-se totalmente do modo de falar de outras regiões nortenhas como a Beira ou Trás-os-Montes, entre muitas outras. Quase que se poderia dizer que a acompanhá-lo existe toda uma forma de estar na vida.
Entre o calão e o linguajar das gentes
É comum ouvir-se dizer que no Porto se fala especialmente mal. Mal não no sentido da construção de frases ou da utilização de verbos mas naquilo que vulgarmente se costuma dizer falar mal. Utilizam-se os palavrões mais carregados com o maior dos à-vontades, sendo até comum ouvi-los saídos das bocas das mais angélicas criancinhas. Este é um fenómeno que pode observar-se sobretudo nalguns bairros mais típicos como é, por exemplo, a Ribeira. Não que noutras zonas do país se fale melhor ou com menor utilização de impropérios, mas o facto é que desta fama não se livra a Invicta, o que até lhe dá alguma graça e colorido. Num pequeno artigo que escreveu a propósito, Arnaldo Saraiva consegue transmitir bem aquilo que é falar-se à moda do Porto, não só pela "ditongação crescente do E e do O fechados, nem pela troca dos bês pelos vês e do ou pelo ão, nem pela abertura de algumas vogais, nem por uma gutural pronúncia..." mas também por um léxico especial que integra um enorme à-vontade no uso e abuso da língua portuguesa sem olhar a distinções de sexo ou de idade. "Na primeira manhã que passei no Porto não resisti ao apelo que sempre me vem dos rios ou das margens. (...) Eu já ouvira falar do mercado da Ribeira mas não o imaginava assim...avancei como pude, aos ziguezagues sem poder evitar pisadelas e cotoveladas, maus cheiros e poças de água. E estava junto de uma pequena banca de laranjas à guarda de uma menina de uns dez anos quando passou um garoto que parecia saído do Aniki Bóbó, do filme que o bar ainda não existia, e deitou sem querer duas ou três laranjas ao chão. A menina apanhou logo uma e ameaçou atirá-la à cabeça do gaiato enquanto gritava alto e bom som: - Olha que te fuado! Olha que te fuado! Esta cena bastou para me fazer ver a força do sotaque do Porto que extensamente apreciaria em conversas ou gritos ouvidos nos jardins da Cordoaria ou no Bulhão ou no
Estádio das Antas ou nas ruas."
Há umas décadas atrás, um lisboeta desprevenido que se passeasse por qualquer bairro portuense ficaria estupefacto e atónito com o sotaque e o linguajar carregados das conversas ouvidas na rua. Hoje em dia, numa época de globalização, embora o sotaque do Porto continue inconfundível, tende um pouco a suavizar-se e quem queira ter acesso ao espectáculo único que é ouvir a gíria portuense em todo o seu esplendor, terá de se deslocar a um dos bairros mais típicos, onde a língua ainda é utilizada com toda a sua pujança.
Sofia Prazeres / Correio da Manhã, 14/01/2001
http://pretextos.weblog.com.pt/arquivo/2005/03/post.html
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