quarta-feira, 20 de junho de 2012

Os Números

IDENTIFICAÇÃO:

De todos os exemplos de "ruído" em rádio os números são os mais perigosos.
A situação é de tal forma grave que se pode dizer que "não há números bons" na escrita de rádio. Quando muito é apenas razoável tentar diminuir o impacto negativo, atenuar o "ruído", oralizá-los dentro do possível.
Mas é preciso, primeiro, identificar várias situações:

• Horas: só interessam as de Portugal; se for relevante podem ser dadas simultaneamente as do local de origem da notícia;

• Tempo: duas da tarde e não 14 horas; mas tanto se pode dizer "três menos num quarto" como "duas e 45" (esta última já é imediatamente descodificável ... ); hoje, ontem e amanhã, depois de amanhã, de hoje a oito dias, na próxima semana;

• Ordinais: só usar até ao 200 lugar. A partir daí já não o tricentésimo, quadragésimo sexto, mas a "posição 346"...

• Pontos ou vírgulas: 3,5 ou 3.5 milhões de contos é errado. Três milhões e meio de contos. No caso de graus e percentagens, a uniformização deve fazer-se por "três vírgula cinco" e não "três ponto cinco";

• Temperaturas: devem ser aproximadas (não se deve dizer que "nesta altura estão 26,7 graus", roas, neste caso, 27 graus);

• Fracções de tempo: nas provas de automobilismo os comentadores gostam de dizer um minuto, 12 segundos e 325 centésimos"! Ninguém fixa e, pior, ninguém sabe o que é essa fracção de tempo... (os jornais no dia seguinte ou a televisão à noite podem dar os quadros e as tabelas...); Nas provas de atletismo o problema também se põe, embora uni recorde do mundo de 9,7 segundos possa ser o "lead" (nestes casos, se não estiver em causa um recorde que possa ser ele próprio a notícia, é mais importante dizer que o segundo ficou a "x" segundos...);

• Resultados desportivos: no futebol, como na oralidade, nenhuma equipa ganha por 3- 4. A intenção de realçar que foi uma vitória forasteira deve ficar clara no texto; no ténis, os parciais são, a maior parte das vezes, "ruído" Será mesmo preciso dizer "6-7, 6-4, 6-3, 4-6 e 6-7"? Ninguém fixa! Por regra não usar parciais, a não ser que constituam, eles próprios, notícia;

• Manifestações e greves: os promotores fornecem invariavelmente números muito mais elevados do que as autoridades; restam duas alternativas: não dizer nada sobre esse pormenor ou, então, dar as duas partes;

• "Cerca de": é sempre bom fazer aproximações, mas não há "cerca de 17 feridos". A aproximação é feita aos números redondos: 10, 20, 30, 300, 5000, etc.; Os números grandes são sempre arredondados;

• Moedas: os dólares são uma moeda estranha aos portugueses (tal como os francos, as libras ou os marcos). Por causa da nova realidade do curo justifica-se, enquanto não houver unia identificação imediata, emparceirar grande valores com o equivalente em contos. E sempre que os montantes são elevados é fundamental ter um termo de comparação (cem milhões de coros pode parecer muito, mas se anterior verba para a mesma finalidade foi de 300 milhões...);

• Milhas: à excepção da prova atlética, devem ser convertidas em quilómetros (1609 metros); atenção às milhas náuticas, são diferentes;

• Percentagens: unia percentagem é sempre preferível a um número total (porque já pressupõe unia relativização). Mas tini número em percentagem não deve ser, por si só, a conclusão, a notícia; precisa sempre de uma comparação/contextualização. Se não é a história do meio frango...;

• Lotarias e totolotos: mais números que não funcionam. Mas é mesmo muito importante (os números da lotaria do Natal, por exemplo)? Então é fundamental preparar o ouvinte, avisá-lo de que vamos daqui a pouco dar-lhe os números premiados. No fundo cumprir uma antiga regra, segundo a qual "primeiro temos que dizer que vamos dizer e só depois dizê-lo'...

• Terramotos: os valores devem ser sempre relacionados com a totalidade de uma das duas escalas (Richter e Mercali), devidamente identificadas;

• Telefones: para um número de telefone "funcionar" junto dos ouvintes são precisas duas condições: ser relativamente fácil de decorar e ser muitas vezes repetido. Uni número de telefone na rádio tem unia utilidade quase nula; alternativa, se é mesmo preciso: explicá-lo por mnemónica;

• Proximidade: ontem, hoje e amanhã; nunca terça, quarta ou quinta-feira; da mesma forma, em vez de "dia 28" é correcto dizer "de hoje a oito dias" ou "na próxima semana"; só mesmo quando não há alternativa é que devem aparecer os números;

• Cem/sem: "O governo promete 100 reembolsos do IRS por dia". Mas, ouvida, a frase pode ter unia compreensão contrária. Na imprensa, a grafia diferente anula este problema, mas, ao falar, as palavras homófonas são, ou podem ser, "ruído";

ESTILO TSF.

Os números são quase sempre "ruído". Seja porque o ouvinte não consegue descodificar imediatamente o que lhe estamos a dizer ("dois terços do PIB são desperdiçados..."), porque não consegue fixar (os números de telefone ou da lotaria) ou porque há informação em excesso ("o corpo foi encontrado embrulhado em três lençóis").

E, contudo, os números são parte integrante da nossa vida. Na imprensa (e nas infografias das televisões) esta informação pode preencher páginas, mas na rádio não funciona. O mínimo de números, portanto. E com muitos cuidados, sendo que os dois principais são a aproximação e a relativização.

OUTRAS PERGUNTAS:

Como fazer a concordância com as percentagens?

30 por cento das mulheres fumam, 70 por cento da cortiça portuguesa vai para Espanha; 5 por cento da população não sabe ler; 50 por cento dos jornalistas devem ser aumentados!

Como fazer com os números no feminino?

Os números que concordam com palavras no feminino devem ser escritos por extenso. Em vez de "200 pessoas" é melhor "duzentas pessoas". As probabilidades de nos enganarmos a ler é muito menor.

"Doze a treze deputados"?

Na altura das eleições ouve-se "vai eleger doze a treze deputados". Correcto é "doze ou treze". Ou "a sondagem indica vai eleger entre 15 e 17 deputados".

"Duzentas gramas"?

Não, duzentos gramas. Grama é masculino.

Tudo O Que Passa na TsF - Livro de estilo (Editorial Jornal de Notícias, 2003)

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