O Conselheiro Acácio conseguiu algo que só as grandes personagens literárias conseguem, ou seja, contribuir para criar termos novos: foi ele o primeiro acaciano.
Acácio anda sempre num "passo aprumado e oficial". Todo ele, aliás, é "oficial", porque é a caricatura da submissão ao poder e da pompa vazia. Nenhuma descrição supera a apresentação que o próprio Eça faz: "Sempre que dizia El-Rei! Erguia-se um pouco na cadeira. [...] Nunca usava palavras triviais; não dizia 'vomitar', fazia um gesto indicativo e empregava 'restituir'. Dizia sempre 'o nosso Garrett, o nosso Herculano'".
Criado como actor secundário, destinado a ilustrar a vacuidade da burguesia lisboeta do seu tempo, como se se tratasse de uma personagem d'"As Farpas" transformado em ficção, Acácio tem mais força do que as personagens principais e domina a cena.
A apoteose do conselheiro encontra-se no jantar que oferece aos amigos, para celebrar a concessão do grau de Cavaleiro da Ordem de Sant'Iago. Ao longo da sequência, observamos a sua hipocrisia oca, porque Acácio não é guiado, como Tartufo, pela ambição de poder ou de dinheiro, mas sim pela vaidade de ser uma figura respeitável. Por isso, a sua biblioteca tem dois níveis, o público, que é o das estantes onde se encontram os livros "apresentáveis", como a "História do Consulado e do Império", de Delille, e o privado, a mesa de cabeceira onde reina "um volume brochado das poesias obscenas de Bocage". Acácio é, pois, um hipócrita, mas é também algo pior: é um parasita que vive de um sistema social paralisado, o mesmo que não aceita que Carlos da Maia tenha uma profissão que não seja meramente decorativa e que estrangula qualquer possibilidade de progresso.
A sátira não ficaria completa sem D. Felicidade, com quem Acácio forma um par cómico, como contraponto dos amantes protagonistas. Essa prodigiosa caricatura de velha solteirona a quem os gases impedem que aperte o espartilho, também ela parasita, também ela oca e comicamente obcecada pela calva do conselheiro (uma delícia de perfídia queirosiana), está condenada a não ver nunca correspondida a sua paixão e acaba por ser um dos mais caústicos tipos sociais criados por Eça de Queirós.
Elena Losada Soler / Público, 25/08/2000
(Perfis Queirosianos, "O Primo Basílio", 1878)
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