IDENTIFICAÇÃO:
Este é um dos temas mais sensíveis e polémicos que neste livro podem ser abordados. Não sendo, ao mesmo tempo, uma situação que exija intervenção prioritária (a TSF sempre falou globalmente num bom português), exige-se uma clarificação e a definição de algumas regras:
• Portugal não tem diversidade linguistica. O mirandês é uma excepção. Mas em Espanha as várias línguas são motivo de orgulho e de afirmação cultural. O galego, que é a pronúncia nortenha levada ao extremo, é afirmado pela diferença face ao castelhano...
• Existem em Portugal alguns sotaques (ou pronúncias; são, neste contexto, palavras sinónimas) que têm uma identidade própria - ou seja, são genericamente reconhecíveis;
• Há sotaque quando uma pessoa, de uma determinada região, fala de uma maneira peculiar;
• Não há em Portugal aquilo que se pode considerar uma norma, um sotaque-padrão, até porque também não há nenhuma entidade a fixar esse tipo de critérios (embora se aceite genericamente que o uso que na zona de Coimbra se faz da língua é aquele que mais se aproxima da grafia das palavras; mas não é "consêlho" nem "joêlho" mas sim "conselho" e "joelho"...);
• A TSF, não sendo nesta altura uma rádio de cobertura nacional, assume-se como uma rádio que fala de e para todo o país;
Muitas vezes (quase sempre...) confunde-se sotaque com mau português ou com má dicção. O sotaque das diferentes regiões do país é um elemento de riqueza cultural; o mau português ou a má dicção são de rejeitar! Mas sotaque e má dicção são conceitos assim tão diferentes que possam ser separados de uma forma tão clara?
Não, e por isso é que existe conflitualidade.
O sotaque nortenho/litoral troca os "vês" pelos "bês" Pode ser uma característica idiossincrática dos nortenhos (e não só, também das beiras), mas não é português dizer "binho'; "boita" ou "bitória".
Portanto, os sotaques regionais são desejáveis quando significam uma maneira peculiar de articular os sons mas sem alterar o português (sendo mais uma espécie de "acento regional"): "binho" será "ruído" para os ouvintes que articulam a palavra correctamente, enquanto que vinho será compreensível para todos, mesmo para os que dizem "binho".
Pode dizer-se, em resumo, que quem fala na rádio deve mudar a maneira de falar se isso significar a procura do português correcto.
ESTILO TSF:
Imaginemos uma rádio local do Alentejo, onde todos os jornalistas e animadores são do Porto! Os ouvintes seriam os primeiros a estranhar e a não conseguirem criar emparia com aquilo que ouviam. É natural que uma rádio do Alentejo tenha sotaque... alentejano. Mas seja do Alentejo, do Porto ou de Angola é preciso respeitar sempre a pronúncia correcta do português. Qual é a pronúncia correcta do português? Aquela que segue a morfologia consagrada nos dicionários.
Na TSF é esse o princípio que procuramos seguir.
O sotaque não se revela ou depende apenas da dicção das palavras, mas também das entoações, modulações e, mesmo, ritmos. E esses, desde que não sejam demasiado marcados (isto é, não causem "ruído"), acabam por enriquecer a antena.
Torna-se, assim, difícil encontrar um sotaque-padrão. Será necessário? Talvez a TSF se reveja na pronúncia média do português culto de qualquer região do país.
NOTA SUPLEMENTAR:
O sotaque identifica a origem regional, a classe social e até a raça de quem fala. É importante, sem dúvida. E é por causa disso que algumas pessoas têm contestado em Portugal a supremacia de uma pronúncia (neste caso oriunda de Lisboa) sobre as outras, por influência dos meios de comunicação social áudio e visuais, que têm as estruturas mais pesadas na capital.
Na comunicação da rádio, o "lisboês" ou o transmontano têm a mesma legitimidade, desde que se mantenham as regras de respeito pelo português e pela dicção.
É perfeitamente normal que quem fala na rádio e na televisão se preocupe com a forma de falar. O que já não é normal é que apenas os jornalistas/animadores fora de Lisboa (ou será "L'sboa?" Como "coâlho" em vez de "coelho" ou "joâlho" para "joelho") sintam a necessidade de controlar o sotaque ...
OUTRAS PERGUNTAS:
Os "bês" pelos "vês" devem ser reprimidos de igual forma?
Não. A localização da letra em cada palavra é muito importante e faz a diferença. Um "v" trocado no início pode ter um efeito devastador no ouvinte. "É berdade". Mas um "v" trocado a meio passa mais despercebido, sobretudo quando não está na sílaba tónica e vai menos enfatizado. "É um objectibo"...
E um brasileiro trabalhar na TSF?
Poderia, até, não causar "ruído", mas certamente provocaria a incomodidade do ouvinte, habituado a um padrão linguístico bastante diferente. O português do Brasil é, além disso, bastante mais do que um sotaque: há entoações, termos, construções e sintaxes bastante diferentes - como se percebe, até, por algumas das citações deste livro...
(A pergunta sugere um brasileiro por ser um caso extremo de sotaque, mas valeria o mesmo para qualquer estrangeiro que, falando português correcto, tivesse um registo linguistico bastante diferente - o ouvinte ficaria mais atento à sua voz do que ao conteúdo das notícias).
Faz sentido falar em níveis diferentes de sotaque?
Há quem defenda que um repórter (um correspondente?), por estar no local do acontecimento, pode ter um sotaque mais acentuado (mais próximo da comunidade), mas que o editor, que faz o noticiário, deve ser neutro.
À luz dos conceitos já aqui defendidos, entende-se que a existência de diferentes níveis não faz sentido: é indiferente quem tem ou quem não tem sotaque, desde que não altere a língua portuguesa.
Um repórter da TSF em Évora não tem de ter necessariamente sotaque alentejano, mas se o tiver pode também desempenhar as funções de editor.
Como lidar com linguagens "afectadas"?
Algumas pessoas, geralmente identificadas com as "colunas sociais", gostam de articular o português de uma forma tão marcada, que se pode considerar um sotaque. Se atraiçoa a gramática e a morfologia da língua já se sabe o que fazer; se não, se é apenas uma artificialização, é de rejeitar igualmente, porque demonstra falta de naturalidade e remete para uma simulação e algum (muito?) pretensiosismo. A fácil caricaturizaçáo desta linguagem afectada é o melhor exemplo de como deve ser rejeitada.
-- capitulo retirado do livro de Estilo da TSF - Rádio Jornal editado em livro pela Editorial Jornal de Notícias - 2003
Da mesma forma, ao se referir ao falante brasileiro, não existe um padrão de prosódia, muito menos o correto falar num país continental, com mais de 200 milhões de habitantes, com diversas origens, influências culturais e diversos substratos linguísticos. O idioma é vivo, mutável é um mundo de diversidades. Mesmo assim, com todas as diferenças, conseguimos nos fazer entender.
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